Maravilha viajar e só ter a sua
frente linhas da estrada cortadas pelo horizonte. Um leve escurinho disfarça o
natural da paisagem clareada timidamente por faróis de luzes amarelas. Não se
pode desviar atenção, dirigir à noite requer cuidados redobrados, mas a
necessária visão periférica de um motorista permite deliciar-se da beleza ao
seu redor, ainda que pareça só a sua frente.
As horas passam e as luzes
artificiais trocam de tom com o amanhecer. Transformada a percepção, aquele
início tímido rapidamente mescla a calmaria de uma madrugada com o alvoroço
nítido de uma aurora. Como se fosse uma preparação, com expectativa, percebe-se
a submissão completa, a chegada de algo esplendoroso trata de fazer mudar tudo
o que horas antes era d’outro reino. Ele está prestes a nos inundar com sua
energia.
Difícil controlar os olhos.
Quer-se ver, capturar o mais lindo momento: o instante em que os torna outro, a
chegada do primeiro feixe de luz. Naturalmente, as pupilas arreganhadas, ainda vulneráveis,
não temem o que está por vir. Mas é inevitável. Quando o grandessíssimo surge
nada mais o ignora. O vasto círculo de fogo, alaranjado, preenche o espaço que
antes já havia sido contemplado. E os olhos fogem a sua encarada. Não se pode
confrontá-lo assim. A luz é imensa!
O seu poder nos conforta.
Teremo-nos por toda a vida nesse vai e vem. Agradecemos sua chegada e choramos
a sua partida. Mal sabemos de nossa vulnerável situação. Ele não nos cerca, não
é o que parece. Por tempos afirmou-se, mas estavam errados. Beiramos a ele.
Dependemos dele. O conjunto nos favorece, porém ainda somos menores.
O olhar periférico do motorista
percebe o vasto caminho percorrido pela luz emitida pelo grande astro. Percebe
também a nossa inferioridade. Somos servos. O Sol reina e nos faz aceitá-lo.
Coloquei os óculos escuros e a
estrada fez-me virar e perdê-lo de vista. O ainda dia brilha. Começou mais uma
vez.
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