Há
alguns dias conheci um garotinho. De olhar distante, fala arrastada e de pouca
expressão ele se aproximou de mim enquanto eu aguardava o momento de jogar uma
partida de futebol em um campinho society onde sou associado. Eu estava
conversando com um colega sobre os times do brasileirão e o menino logo se
interessou me dizendo qual jogo passaria mais tarde na TV. Sou professor de
crianças e, sempre que posso, converso com as que me dão a honra. Não lembro o
nome do garotinho, mas da conversa que tivemos mais nenhum detalhe me saiu da
mente.
Depois
de jogar algumas partidas e perder a última, fui descansar sentado, ao lado do
campinho. Não sabia bem o motivo, mas o garoto veio e sentou ao meu lado e,
vendo os outros jogos, conversamos mais. Ele via os outros jogando e me dizia
que jogava bem melhor. O achei bem esperto e depois de conversarmos sobre
futebol perguntei a ele se ele estudava. Ele afirmou que sim. Perguntei qual
ano ele fazia. O 7º, me respondeu. E de estudar, você gosta? Balançando a
cabeça disse que sim. Insisti e o questionei sobre sua disciplina favorita e
ele, rindo, disse: - aquela, como é mesmo? Ah sim, Geografia. Perguntei se ele
era bom em matemática. Ele riu novamente e disse que sim. Perguntei de que ele
gostava mais em matemática e ele disse que eram os números. E de ler? Indaguei.
Ele disse que sim. Tudo que eu perguntava ele respondia positivamente.
Ele
olhava o pessoal jogando e comentava: - Esse cara num sabe chutar. Eu chuto com
as duas pernas. E foi aí que ele me fez a primeira pergunta: - Tu tosse pra que
time? Eu disse que era botafoguense. Ele disse que também era. Aí ele parou e
perguntou novamente: Ei, têm quantos homens jogando ali? E eu lhe disse, quase
que instantaneamente: Conta aí, cara! Ele tentou e disse: Sei lá! (rindo) Como
estavam todos correndo o tempo todo vi que ele provavelmente teria se
atrapalhado na conta. Então eu lhe disse: Presta atenção: Tem um goleiro em cada time e cada time têm cinco pessoas na linha, quantos jogadores têm? Ele concentrou
de novo e disse: Quatro! Olhei repentinamente e indaguei: Não, siô, se tem dois times e cada um com seu goleiro, quantos
jogadores têm ali? Ele balançou a cabeça dizendo que não conseguia. E eu disse:
Confere nos dedos! E ele abriu uma das mãos e disse: Quatro! Não, cara, usa as
duas mãos, eu insisti! Bem atrapalhado ele errou novamente. Aí eu perguntei:
Rapaz, quantos dedos tem em sua mão? Ele não soube responder!
Dentro
de mim, lamentei. E, já que ele não se negava responder minhas perguntas,
resolvi facilitar: Tu sabe o nome de todos os teus professores? Ele riu e disse
que não. Perguntei novamente: E na tua escola, como é lá, o que tu faz quando
vai para lá? Tu gosta? Ele disse que gostava, que merendava lá quando tinha
lanche e depois ia para casa.
Eu
perguntei se ele ajudava o pai e a mãe dele. Se ele trabalhava com o pai, ou
com a mãe. Perguntei se ele respeitava os pais dele. Disse a ele que era
importante respeitar e obedecer aos pais e perguntei se, quando ele teimava ou
desobedecia a mãe dele, se ele apanhava. Ele riu. Disse que ajudava o pai dele
na roça e que se desobedecesse ele apanhava sim. (ele riu bastante.)
Chegou
a hora de voltar ao campo. Fui, joguei... Depois de um tempo, ele me chamou:
Ei, ei botafoguense. Eu fui lá. Ele me pediu um real. Eu me espantei... Mas
disse a ele que quando eu ia jogar não levava dinheiro. Eu pedi a ele que fosse
para casa. Disse que já estava tarde.
Ainda
quando conversávamos sobre a escola, eu perguntei o que ele achava mais difícil
na escola. Ele me falou, fazendo um gesto com as mãos, meio encolhido, quase
que contorcido, que era escrever palavras.
Esse
garoto não saiu da minha cabeça desde então. Não o vi mais, entretanto sempre
que me lembrava das eleições, do meu voto, eu pensava naquele carinha. Mas não
votei por ele, nem por ação social nenhuma. Minhas escolhas são simples, no
sentido de que a hipocrisia de me achar responsável pelos outros não me pertence.
Mas sempre me pergunto: Qual chance esse garoto terá se um dia precisar
concorrer com alguém da mesma idade dele, mas que tenha realmente estudado? Pergunto-me
o que aquele garoto fazia fora de casa até àquela hora, 21h30min. Pergunto-me o
motivo de ele ter me pedido um real ou para quantas pessoas ele já havia
pedido.
Pergunto-me:
Por que aquele garoto, esperto, que respondia minhas perguntas com atenção, e
que achava que escrever palavras era difícil, que não sabia o nome dos
professores dele, não sabia contar em seus dedos?
Quem
é que cuida do futuro desse menino? Quantos, como ele, existem aqui, do lado de
minha casa, ao lado de vários prédios escolares novos? Quantos meninos de 10 ou
11 anos existem nesse país, como ele?
Que
programas sociais, inclusivos e salvadores assistem esse moleque?
É
justo que esse garoto viva assim? Ele tem 10 anos, mora no interior do Maranhão
e já deveria ser um dos bons frutos deste projeto de governo “imensamente
governante dos que mais precisam” e tão vitorioso que aí está.
Mas
o menino ainda obedece e ajuda seus pais. Uma ponta de esperança!
Nosso
país é atrasado. Nosso país não cuida de suas crianças!
É
só olhar para o lado... Bastava ter olhado para o lado!