terça-feira, 28 de outubro de 2014

Bastava olhar para o lado. Nosso país não cuida de suas crianças!

Há alguns dias conheci um garotinho. De olhar distante, fala arrastada e de pouca expressão ele se aproximou de mim enquanto eu aguardava o momento de jogar uma partida de futebol em um campinho society onde sou associado. Eu estava conversando com um colega sobre os times do brasileirão e o menino logo se interessou me dizendo qual jogo passaria mais tarde na TV. Sou professor de crianças e, sempre que posso, converso com as que me dão a honra. Não lembro o nome do garotinho, mas da conversa que tivemos mais nenhum detalhe me saiu da mente.


Depois de jogar algumas partidas e perder a última, fui descansar sentado, ao lado do campinho. Não sabia bem o motivo, mas o garoto veio e sentou ao meu lado e, vendo os outros jogos, conversamos mais. Ele via os outros jogando e me dizia que jogava bem melhor. O achei bem esperto e depois de conversarmos sobre futebol perguntei a ele se ele estudava. Ele afirmou que sim. Perguntei qual ano ele fazia. O 7º, me respondeu. E de estudar, você gosta? Balançando a cabeça disse que sim. Insisti e o questionei sobre sua disciplina favorita e ele, rindo, disse: - aquela, como é mesmo? Ah sim, Geografia. Perguntei se ele era bom em matemática. Ele riu novamente e disse que sim. Perguntei de que ele gostava mais em matemática e ele disse que eram os números. E de ler? Indaguei. Ele disse que sim. Tudo que eu perguntava ele respondia positivamente.

Ele olhava o pessoal jogando e comentava: - Esse cara num sabe chutar. Eu chuto com as duas pernas. E foi aí que ele me fez a primeira pergunta: - Tu tosse pra que time? Eu disse que era botafoguense. Ele disse que também era. Aí ele parou e perguntou novamente: Ei, têm quantos homens jogando ali? E eu lhe disse, quase que instantaneamente: Conta aí, cara! Ele tentou e disse: Sei lá! (rindo) Como estavam todos correndo o tempo todo vi que ele provavelmente teria se atrapalhado na conta. Então eu lhe disse: Presta atenção: Tem um goleiro em cada time e cada time têm cinco pessoas na linha, quantos jogadores têm? Ele concentrou de novo e disse: Quatro! Olhei repentinamente e indaguei: Não, siô, se tem  dois times e cada um com seu goleiro, quantos jogadores têm ali? Ele balançou a cabeça dizendo que não conseguia. E eu disse: Confere nos dedos! E ele abriu uma das mãos e disse: Quatro! Não, cara, usa as duas mãos, eu insisti! Bem atrapalhado ele errou novamente. Aí eu perguntei: Rapaz, quantos dedos tem em sua mão? Ele não soube responder!

Dentro de mim, lamentei. E, já que ele não se negava responder minhas perguntas, resolvi facilitar: Tu sabe o nome de todos os teus professores? Ele riu e disse que não. Perguntei novamente: E na tua escola, como é lá, o que tu faz quando vai para lá? Tu gosta? Ele disse que gostava, que merendava lá quando tinha lanche e depois ia para casa.

Eu perguntei se ele ajudava o pai e a mãe dele. Se ele trabalhava com o pai, ou com a mãe. Perguntei se ele respeitava os pais dele. Disse a ele que era importante respeitar e obedecer aos pais e perguntei se, quando ele teimava ou desobedecia a mãe dele, se ele apanhava. Ele riu. Disse que ajudava o pai dele na roça e que se desobedecesse ele apanhava sim. (ele riu bastante.)

Chegou a hora de voltar ao campo. Fui, joguei... Depois de um tempo, ele me chamou: Ei, ei botafoguense. Eu fui lá. Ele me pediu um real. Eu me espantei... Mas disse a ele que quando eu ia jogar não levava dinheiro. Eu pedi a ele que fosse para casa. Disse que já estava tarde.
Ainda quando conversávamos sobre a escola, eu perguntei o que ele achava mais difícil na escola. Ele me falou, fazendo um gesto com as mãos, meio encolhido, quase que contorcido, que era escrever palavras.

Esse garoto não saiu da minha cabeça desde então. Não o vi mais, entretanto sempre que me lembrava das eleições, do meu voto, eu pensava naquele carinha. Mas não votei por ele, nem por ação social nenhuma. Minhas escolhas são simples, no sentido de que a hipocrisia de me achar responsável pelos outros não me pertence. Mas sempre me pergunto: Qual chance esse garoto terá se um dia precisar concorrer com alguém da mesma idade dele, mas que tenha realmente estudado? Pergunto-me o que aquele garoto fazia fora de casa até àquela hora, 21h30min. Pergunto-me o motivo de ele ter me pedido um real ou para quantas pessoas ele já havia pedido.

Pergunto-me: Por que aquele garoto, esperto, que respondia minhas perguntas com atenção, e que achava que escrever palavras era difícil, que não sabia o nome dos professores dele, não sabia contar em seus dedos?

Quem é que cuida do futuro desse menino? Quantos, como ele, existem aqui, do lado de minha casa, ao lado de vários prédios escolares novos? Quantos meninos de 10 ou 11 anos existem nesse país, como ele?

Que programas sociais, inclusivos e salvadores assistem esse moleque?



É justo que esse garoto viva assim? Ele tem 10 anos, mora no interior do Maranhão e já deveria ser um dos bons frutos deste projeto de governo “imensamente governante dos que mais precisam” e tão vitorioso que aí está.

Mas o menino ainda obedece e ajuda seus pais. Uma ponta de esperança!

Nosso país é atrasado. Nosso país não cuida de suas crianças!


É só olhar para o lado... Bastava ter olhado para o lado!