quinta-feira, 21 de novembro de 2019

O desafio da corrida.




Não é novidade saber que quem corre hoje uma maratona começou correndo apenas alguns metros. Por trás de um percurso de tantos quilômetros sempre existirão muitas histórias de superação e fracasso.  E assim foi minha história na corrida mais longa que fiz até hoje: 24 km no Desafio do Delta do Parnaíba Ultra 2019. 

Ao se inscrever em uma prova é comum participar daquele percurso que você está habituado a fazer, que já sente segurança. Mas eu procurei logo algo que ainda não tinha feito, o que provocou muito frios na barriga, medos e ansiedade. Todas as provas de corrida que eu havia participado eram entre 5 km e 10 km, nunca mais que isso. Afinal, corro apenas há pouco mais de um ano. E como o evento tratava a prova como um desafio nada mais justo que eu me desafiar. Então escolhi os 24 quilômetros. O que provocou uma série de mudanças em minha vida, pois eu precisava de tempo, disposição e força para treinar.

Desde então acordei mais cedo e aumentei a rodagem dos treinos. A rodagem de treinos por semana tinha uma média de 25 km e logo subiu para 35 km. O que, claro, provocou em meu corpo muitas reações. Minha dieta não estava apropriada, meus treinos de fortalecimentos também não e rapidamente fui ficando sem energia para correr. As gripes passaram a me assombrar e o sentimento de que talvez que não conseguisse correr a distância pretendida também. Entretanto, ajustando a nutrição e o fortalecimento pude voltar a treinar como se deve. Encerrei os treinos com uma rodagem semanal de 45 km e sempre disposto. 

A prova ocorreu em um terreno difícil. Beira de praia, vento contra e muito sol no litoral do Piauí. Literalmente na esquina do litoral. Podíamos ver o Maranhão logo ali. Mas era na direção do Ceará que iríamos. Para os Ultramaratonistas os 45 km ou 66 km caíram bem. Para mim, iniciante, os 24 km (mais de um terço de todo o litoral) eram extremamente desafiadores. E eu estava consciente disso. Em meus treinos tentei sair o máximo de zona de conforto, pois sabia que essa corrida seria tudo, menos confortável. Acertei na mosca! Sofri muito. 

Na primeira metade da prova meu corpo respondeu muito bem. Respiração, passada, pace e postura ficaram sob controle, apesar do terreno instável. Corri ao lado de atletas que admiro e há pouco tempo seria improvável acompanhá-los. Finalmente eu me enxerguei como um corredor. Estava encantado! A chegada nos 12 km foi na praia da Pedra do Sal. Praia linda que tem como atrativo suas belíssimas pedras que resistem à força das ondas. Subimos as pedras, descemos as pedras e, como eu havia treinado, parei para me alimentar, repor sais e descansar. Foram cerca de 5 minutos lá. Ali estavam a família e amigos que me deram muito apoio. Enfim, segui o percurso: Rumo aos sonhados 24 mil metros. 

O vento logo me avisou que não seria fácil. Na minha frente não via mais ninguém, olhei para trás e nenhum corredor à vista. Estava só: eu, a praia, o vento, o sol e minhas orações. Atingi um nível de concentração excelente até o km 14. Corrida lenta, mas segura. Corpo firme e inclinado compensando a força do vento até que escuto o helicóptero que cobria a prova. Eu estava só ali então pensei: Vão tirar minha foto e vai ficar massa! Levantei os braços e agradeci. A aeronave se foi e voltei para a corrida, mas a panturrilha mandou recado. Cãibras! Muitas cãibras. Primeiro na esquerda, depois na direita. Cãibras na coxa. Eu não acreditava no que acontecia. Ali no quilômetro 15 meu corpo parecia querer parar e por um momento senti aquela angústia, uma tristeza absurda e a sensação de que todo o treinamento havia sido em vão. No entanto, lembrei de minha família, de meu filho que me esperava. O que eu iria dizer pra ele? Que eu desisti? Não poderia! Minha esposa, competitiva como é, não me perdoaria. Minha irmã que foi me ajudar e torcer não merecia. Meu parceiro e amigo que sempre deu suporte nos treinos e acreditava muito em mim me esperava também. Não! Eu não poderia parar. 


Lembrei dos relatos de muitos corredores experientes de quando “quebravam em provas” e ainda assim seguiam, com dor, sofrendo, mas seguiam. Foi difícil. Olhei para trás e já via corredores aproximando. Parei, respirei, fiz uma pressão nas pernas (aprendi num relato do corredor ultramaratonista Saulo Arruda) e segui. Bem lento. Mas não conseguia correr mais que 600m seguidos. Caminhava e corria, caminhava e corria. As cãibras pioraram. Sentia que tinha energia e disposição para correr. Mas as pernas não deixavam. Foi o que mais me entristeceu e está engasgado até agora. 

Até o destino final perdi 4 posições. Cheguei com um misto de emoção e esgotamento físico. Refleti toda a prova ali nos primeiros minutos de descanso após a chegada. E sob os olhares de quem ali estava percebi que a admiração deles valia um pouco aquele sofrimento. O primeiro colocado geral de minha prova foi quem me recepcionou. Ele percebeu o desgaste e me ajudou a subir em uma barraca logo ali. Ele me disse “parabéns, você foi bem. Deve ser o sexto ou sétimo geral. Deve pegar pódio na categoria.” Nesse momento o cansaço sumiu. Fui até o mesário e perguntei um pouco eufórico. Eu queria saber logo se havia pegado pódio. Ele confirmou. Fui segundo de um total de 14 atletas em minha categoria.  

  Medalha no peito. Liguei para minha irmã que me esperava do outro lado de Luís Correia. Lá era a passagem dos 24 km para quem iria continuar. Peguei um barco com outros corredores e chegamos. Logo avistei minha família. Nessa hora a felicidade já havia superado todo o cansaço. Afinal, eu treinei, eu fui lá e eu fiz. Não da maneira que eu desejava, mas foi feito. E com orgulho de poder gritar para todos: Eu não desisti! Descobri que sou mais forte do que imaginava.
A corrida imita a vida. Ambas são dificílimas, porém, a cada desafio superado você percebe que pode ir mais longe. Vamos correr?