quinta-feira, 2 de julho de 2020

Escravos da tal essência?



E se, do alto de um penhasco, uma simples pedra resolvesse não respeitar a gravidade e decidisse não cair? 

Todas as manhãs enquanto minha família dorme levanto-me antes das cinco da manhã e cuido de meus cachorros: Comida, água, muito cocô. Tudo sempre igual, pois os cachorros Apollo – Rott, Poly – Vira lata e Barbie – mestiça já conhecem toda a rotina e não resistem a nada. Mas especialmente hoje notei algo fora dos padrões. Ao me dirigir ao canil, mesmo com o balde de ração, notei o Apollo, um grande rottweiler, desconfiado e só me observou de longe. Com destreza fui ao seu encontro e percebi o que havia acontecido. Ele matou uma iguana que rondava o quintal e a estava guardando como caça. Por isso não se afastava de lá. 

 É improvável imaginar que ao cair, uma pedra decida parar, voltar e subir. Afinal, com a física e até mesmo empiricamente já sabemos o que acontece com algo que é mais pesado que o ar e despenca sem nenhuma resistência. E antes que me julguem achando que joguei uma pedra em meu cachorro, calma, explicarei. O cachorro, assim como os outros animais irracionais são como objetos caindo livremente que sempre chegarão ao seu destino previamente definido. Meu cachorro estava preparado para usar seu instinto defensivo de posse de sua caça. Ainda que ele abanasse o rabo e viesse ao meu encontro buscar carinho eu não poderia afrontá-lo e mexer naquilo que ele considera dele. Usar seu instinto seria o que de mais provável aconteceria.

Já com nós humanos tudo é bem diferente. Veja bem, tem um animal morto no canil, uma iguana, que em breve entrará em decomposição e exalará um odor insuportável que incomodará a mim e aos vizinhos e, nada mais correto que eu retirar o corpo sem vida dali e o enterrar. Entretanto, fazer isso de imediato acarretaria em um outro problema, o que me fez decidir não fazê-lo naquele momento.

Sorte a minha se meu rottweiler também pudesse ponderar e escolher. 

A reflexão sobre a pedra sempre me levantou em momentos difíceis. E minha relação com meus cachorros também, meu respeito pela essência deles me tranquiliza. Quando decidi ter um cachorro da raça rottweiler sabia o que esperar. E é assim com todos os outros animais e objetos: a essência precede a existência. Mas não com os homens, cuja ideia não vem antes do existir, diz Jean-Poul Sartre – filósofo existencialista francês. Pois se assim o fosse, se não pudéssemos decidir o local de nossa morada ou que caminho seguir seríamos escravos do “eu sou assim” como um prédio que antes de o ser é idealizado em uma planta na mesa de um engenheiro. 

Apenas escravos.

quarta-feira, 1 de julho de 2020

Frederico e seus Bayblades - Desejo e a Alegria.



No natal passado meu filho, Frederico, foi presenteado com um BeyBlade. Brinquedo famoso e divertido: Um pião aerodinâmico que disputa com outro em uma arena cônica movidos por energia cinética. Meu filho acredita em Papai Noel e, mesmo encontrando a cartinha que ele escreveu em minha bolsa (que eu deixei de propósito), ainda pretende escrever mais cartas a ele para esse ano. 

Ele foi fisgado pelo vírus do desejo. A velha tática do consumo que nos impede de aproveitar o que já temos para focarmos naquilo que não temos e, portanto, desejamos. Mais BeyBlades é sua obsessão ainda que o eu e o “Papai Noel” já o tenha presenteado o bastante. 

Isso nos rende bons momentos de conversa sobre seus desenhos, brinquedos e ideias. E em uma dessas conversas perguntei a ele se ele sabia o que era desejo, se sabia o que era desejar algo. Para minha surpresa ele disse que sim, que sabia: Desejar é querer uma coisa que a gente não tem, disse. Admirei a rapidez da resposta, mas aproveitei para chegar aonde queria e fiz outra pergunta: Então você não deseja mais os brinquedos que você tem? E antes de responder rápido ele decidiu pensar, pois percebeu que eu queria encurralá-lo. Então me disse: Pai, eu não desejo mais, mas gosto deles ainda. Eu ri por dentro, admirado, claro e decidi mostrá-lo o que eu queria que ele entendesse. 

Perguntei: Fred, você já percebeu que muitas vezes você passa tanto tempo desejando brinquedos (os que não têm, claro) e deixa de brincar com os que tem? O que será que vale mais? E mais uma vez ele ficou pensativo chegando a uma explicação: Pai, mas para eu brincar com os BayBlades é preciso que o meu primo Miguel esteja aqui e quando ele não está eu gosto de ficar pensando e imaginando. E eu, como pai e amante da filosofia, fiquei muito satisfeito, pois ele percebeu o que eu gostaria. - Nós podemos gostar tanto do que temos como também do que não temos. Podemos gostar do desejo, sentimento, em possuir. O que explica o motivo de você leitor não se contentar com o celular que você tem hoje e querer o mais novo, ou a televisão, ou mesmo aquele terceiro pedaço de pizza que, ainda que sem fome, queremos devorá-lo. 

O Frederico notou a existência desses dois sentimentos e a diferença entre eles, mas não o forçarei a entendê-los ou fazê-lo escolher qual é o melhor ou pior: o Desejo ou a Alegria? Platão e Spinoza que se virem. 

Mas ficarei atento e tentarei direcioná-lo aos poucos sim, pois não gostaria que negligenciasse, por falta, aquilo que já o preenche na presença.

sexta-feira, 10 de abril de 2020

Fique em casa?

As hashtags “Fique em Casa” geraram muitos desacordos. Ficar em casa virou um sacrifício maior que enfrentar uma pandemia. Para uns, por necessidade, pois trata-se de colocar comida na mesa. Para outros, por simples capricho e por incapacidade de vencer a ansiedade. Afinal, vivíamos tempos do imediatismo e esperar, ainda que no conforto de nossas casas, é sofrido. 
Quem tem seu pequeno negócio gerador de renda já percebeu em poucos dias o quão é precioso o dia a dia e, muitos, estão dando nó em pingo d’água para sobreviver - engolindo o orgulho e baixando a guarda. Outros já desistem, chutam o balde. É a vida.
Parte dos que possuem o privilégio de passar até 3 meses em casa sem influenciar muito em suas economias ou em seus negócios entendeu o recado e em casa está com sua família. Está aproveitando o tempo para produzir algo novo, manter sua renda viva e se preparando para quando tudo acabar. Ou está apenas esperando. 
Outra parte, como vimos nos noticiários nos últimos dias, está mesmo é se arriscando. Saiu de sua casa e foi às compras ou viajou. Lojas cheias, mercados e ônibus lotados. O dinheiro girou pelo comércio e a tão citada economia respirou fundo nesse início de abril. Um alívio. Um alívio? 
 O “Fique em Casa”, inicialmente, estava longe de ser uma ordem, uma imposição. Tratava-se apenas de um conselho. O recado dentro da hashtag dizia: Nosso país não possui leitos de UTI suficientes para atender a população se muitos adoecerem ao mesmo tempo, portanto, espere sua vez em casa. Assim, poderá ser tratado devidamente. Infelizmente deixará de ser um conselho e virará uma ordem de verdade. 
Tenho esperança de que o ato de parar as escolas e universidades já tenha sido de grande valia se tratando de frear a disseminação do vírus. Entretanto, nosso país ainda não testa como se deve. O Brasil tem uma amostragem muito rala do número de infectados. Por mais que enxerguemos uma boa direção no Ministério da Saúde não podemos esquecer que estamos falando de Brasil. Um país que nunca foi muito bom com dados, estatísticas. O controle da pandemia em nosso país é bastante falho. 
 Ainda vamos começar as testagens em massa e o número de infectados irá mais que triplicar, acredito. O número de óbitos cresce todos os dias ainda com leitos. Ainda estamos lendo os números de maneira equivocada e olhando apenas para trás. Parece que estamos caminhando para repetir a história recente de outros países. Espero que não. 
O “Fique em Casa” precisa ficar mais forte. Queremos voltar a trabalhar, a sair... Mas para isso acontecer logo, precisamos aguentar. Caso contrário, tudo ficará ainda mais incerto.
 FIQUE EM CASA? 
#FiqueemCasa