domingo, 10 de agosto de 2014

Papagaio de cor azul-claro!



No lar saudoso, área sempre disponível para corridas, brincadeiras e traquinagens. Uma cisterna, a porta do comércio ali, um jardim, palmeiras e uma grade. Subimos na grade, sujamos as mãos. Corremos no terraço e logo os pés vermelharão devido à cera imposta naquele piso.
Lembranças! 

Na cozinha, um ônibus! Embaixo da mesa de madeira imaginávamos passageiros, viagens, histórias... Conseqüência da rotina de idas e vindas nos veículos populares apanhados em paradas logo ali, em frente à clínica, antes da feira, ou na parada final, cedinho!

Em frente de casa, o asfalto. Depois do asfalto terra, pedras e um beco. Petecas, queimado, sete pecados, trinta e um alerta marcaram a viela tão quanto a grade preta que a separava do hospital, ao lado, antes da Rua 7. 
Ali, no beco, caminhei, de manhã cedinho ao lado dele. Na minha mão a mão dele. Na mão dele a novidade.
De cor azul-claro, do tamanho de um caderno, desses de 12 matérias. Seda, plástico, uma Linha 10. Meu papagaio azul, que meu pai me deu.
A pipa era pequena, comparada as que eu já tinha visto. Mas, como sempre, se estava nas mãos dele, o valor era inestimável. 
Caminhamos no beco até termos espaço para soltar a pipa azul. Eu a segurei, meu pai se afastou e, logo depois disse: - Solta! 
O rabo do papagaio parecia aplaudir sua subida. O som que sai daqueles plásticos tirados de sacolas ao se chocarem com o vento é digno de salvas.
E lá se foi ela! E eu corri para o lado dele.

Lá, olhando sempre para cima e para meu pai ao mesmo tempo, vi outras se aproximarem. Rapidamente vi minha pipa descer. Meu pai, previamente a recolheu para não perdermos. Em um graveto, via linha 10 formar um X: - É mais prático! Dizia ele. 

Depois do asfalto, na volta, o portão de madeira branco. Voltamos para o lar. Para as palmeiras, vizinhos, grade! Beber água, geladeira azul, mesa de madeira... Ônibus!
Minha casa, minhas irmãs, minha mãe sempre me achando lindo, minha área, meu chão vermelho com cheiro de formiga, nosso jardim com pingos de ouro. Meu pai! 

Saudades da pipa azul-claro!


sábado, 9 de agosto de 2014

Meu pai, parabéns!



“Meu pai, parabéns!

Gostaria de lhe dizer uma coisa:
- Certo dia assisti a um filme interessante. Sua trama resumia-se à caça de um tesouro: A fonte da juventude!

Os desbravadores, depois de muita luta, encontraram a fonte. Porém, havia outro segredo reservado naquele tesouro. Para tornar-se jovem para sempre, quem bebesse da fonte, em taças mágicas, precisava escolher outra pessoa para tirar-lhes seus anos de vida, só assim teria sua tão sonhada juventude.”

Este filme fez-me lembrar imediatamente de meu pai. Na época ele estava completando 60 anos, há três anos! E estava passando por alguns probleminhas que fugiam de sua capacidade de reação, até então. Resolvi escrever-lhe uma carta, citando o filme e sua história, o que seria na época oportuno. E hoje, apesar de dominado o probleminha, resolvi repetir a carta, mas aqui, aberta ao público, para homenageá-lo nesse dia dos pais. Claro, com sua permissão!

E eu disse a ele:
“- Ao assistir ao filme imaginei a Fonte da juventude embrulhada para presente e sendo entregue ao senhor! Oportuno para quem está com 60 anos, não? Pois é, isso é algo ilusório, que conforta. Ainda mais para um filho como eu, imaturo e que ama seu pai, incondicionalmente.
Saiba que eu daria minha vida pelo senhor. Isso é bonito, eu sei. Porém, como o senhor me ensinou, precisamos ter os pés no chão. E por mais que o filme tenha me feito sonhar, lembrei de outro ensinamento seu: ‘Precisamos viver e aceitar a realidade.’ (Sem saber o que viria anos depois, deparei-me com os livros de Nietzsche, defendendo a mesma tese. Apaixonei-me de cara!)
Por favor, não pense que eu esteja achando que o senhor já está ficando velhinho, longe de mim. Pelo contrário. No decorrer desse ano percebi algo importantíssimo: O meu pai está iniciando mais um ciclo de sua vida e com mais uma vitória. O senhor, meu pai, mais uma vez, nasceu saudável, pronto para o combate. E como sempre fez, mostra que é uma criança que amadurece rápido e responde sempre à altura o que a vida lhe cobra.
Para que serve uma fonte da juventude para quem está sempre se renovando? Bem, depende do ponto de vista: O senhor já bebe de sua fonte. Sua fonte são os desafios que sempre lhe são propostos. E como o senhor embebedou-se dessa água que sempre lhe foi oferecida! Não fugir de seus desafios lhe proporcionou mais força para viver.
Meu pai, seus 60 anos são para mim, ao contrário da fonte do filme, um injeção de vida. Mais que suas palavras, suas ações são meus incentivos! E sei que para o senhor essa etapa é um brinde de taças cheias, de vida, de motivações e sede de vitórias!
Viva, meu pai! Viva!”

Escrevi essa carta no dia 20 de outubro de 2011. Dia do aniversário de 60 anos de meu pai, Zezé Ramos.



sábado, 2 de agosto de 2014

Desinverter! - Ou, Navalhas, Frio e Solidão!

Ao descer, o diminuir do frio não ameniza o aumento dos cortes provocados pelas navalhas da convivência. Nas montanhas não só não existem navalhas, como também, é o frio que aquece a solidão!

É quente, sem saída e liso, escorregadio. O chão jamais seria a realidade.
O chão é um ouriço em sua mais invertida forma. E o núcleo é você: - Sem defesa!
Aqui, sem escolha, sozinho é impossível estar. Logo, verdade é possível lá, apenas longe.
Uma pedra de gelo em água morna. É... Aparentemente em casa! A temperatura, espinhos, a consome.
Como tentar buscar o gelo em água morna meia hora depois é tentar voar anos depois de o chão muito pisar!
E se sólido permanecer? Trinta minutos após, no espelho, a menos um Celsius: - Ainda estou! Em cima estou!
Existir sim: realidade. Gelo, veja bem, água não!
O ouriço desinverte, enfim! À medida que o alto se apresenta o núcleo ataca, não se resguarda. Não se mistura.
Degraus aqui! Degraus voltaram.
Pés ainda descalços; ah, as brasas benéficas. Sapecaram enquanto vibrávamos de ódio!
Chorando, enquanto invertido. A descida investida, lucrativa por segundos, acaba!
Arrogante na subida! Degraus puxando, rolantemente, para o topo. No alto nem espinhos existem. Não são necessários!
Adeus às brasas. Adeus navalhas. Adeus aos alguéns!
Aquecido pelo frio, no alto! Pés queimados, torrados, sapecados. Cicatrizes? – Sim!
Enfim, sozinho!
Só!
Sim, realidade, é você! Verdade, sim, acredite, é você!
Quem precisa de talvez? – Verdadeiramente duro! Pedra, gelo. Em meio aos iguais, não derreti!
No chão pisei, mais uma vez! Mas derradeiramente subi. É o fim!
O medo sucumbiu. – Grandeza de montanha é o meu lugar!
Brasas no bolso, entre os dedos, retina... Não existirá mais talvez! Não precisarás mais descer para se queimar.
- E se não souber mais viver sem o talvez?
- Como aquecer no alto, um peito angustiado, gelado, solitário por escolha e pelo rancor acompanhado?
Já ouvi falar de angústia! Essa cicatriz me faz aquecer a lembrança.
Se sentires falta do chão, não olhe para teus pés! E se for abstinência, embebeda-te com teu rancor! Ou, lembra-te dos bolsos. Nas mãos também existem “entre os dedos”. Queima-te! Mas, descer não é mais preciso. Desnecessário, apenas vício. Só uma fraqueza explicaria tal risco. - Do alto me reconheço, agora. Não mais, para baixo, me ponho nem a observar. Chega de delírio!
- Meus bolsos, entre dedos, meus olhos... As angústias  são o suficiente para não mais o chão com meus pés fincar!