Não é
novidade saber que quem corre hoje uma maratona começou correndo apenas alguns
metros. Por trás de um percurso de tantos quilômetros sempre existirão muitas
histórias de superação e fracasso. E
assim foi minha história na corrida mais longa que fiz até hoje: 24 km no
Desafio do Delta do Parnaíba Ultra 2019.
Ao se
inscrever em uma prova é comum participar daquele percurso que você está
habituado a fazer, que já sente segurança. Mas eu procurei logo algo que ainda
não tinha feito, o que provocou muito frios na barriga, medos e ansiedade.
Todas as provas de corrida que eu havia participado eram entre 5 km e 10 km,
nunca mais que isso. Afinal, corro apenas há pouco mais de um ano. E como o
evento tratava a prova como um desafio nada mais justo que eu me desafiar.
Então escolhi os 24 quilômetros. O que provocou uma série de mudanças em minha
vida, pois eu precisava de tempo, disposição e força para treinar.
Desde então
acordei mais cedo e aumentei a rodagem dos treinos. A rodagem de treinos por
semana tinha uma média de 25 km e logo subiu para 35 km. O que, claro, provocou
em meu corpo muitas reações. Minha dieta não estava apropriada, meus treinos de
fortalecimentos também não e rapidamente fui ficando sem energia para correr.
As gripes passaram a me assombrar e o sentimento de que talvez que não
conseguisse correr a distância pretendida também. Entretanto, ajustando a
nutrição e o fortalecimento pude voltar a treinar como se deve. Encerrei os
treinos com uma rodagem semanal de 45 km e sempre disposto.
A prova ocorreu
em um terreno difícil. Beira de praia, vento contra e muito sol no litoral do
Piauí. Literalmente na esquina do litoral. Podíamos ver o Maranhão logo ali.
Mas era na direção do Ceará que iríamos. Para os Ultramaratonistas os 45 km ou
66 km caíram bem. Para mim, iniciante, os 24 km (mais de um terço de todo o
litoral) eram extremamente desafiadores. E eu estava consciente disso. Em meus
treinos tentei sair o máximo de zona de conforto, pois sabia que essa corrida
seria tudo, menos confortável. Acertei na mosca! Sofri muito.
Na primeira
metade da prova meu corpo respondeu muito bem. Respiração, passada, pace e
postura ficaram sob controle, apesar do terreno instável. Corri ao lado de
atletas que admiro e há pouco tempo seria improvável acompanhá-los. Finalmente
eu me enxerguei como um corredor. Estava encantado! A chegada nos 12 km foi na
praia da Pedra do Sal. Praia linda que tem como atrativo suas belíssimas pedras
que resistem à força das ondas. Subimos as pedras, descemos as pedras e, como
eu havia treinado, parei para me alimentar, repor sais e descansar. Foram cerca
de 5 minutos lá. Ali estavam a família e amigos que me deram muito apoio.
Enfim, segui o percurso: Rumo aos sonhados 24 mil metros.
O vento logo
me avisou que não seria fácil. Na minha frente não via mais ninguém, olhei para
trás e nenhum corredor à vista. Estava só: eu, a praia, o vento, o sol e minhas
orações. Atingi um nível de concentração excelente até o km 14. Corrida lenta,
mas segura. Corpo firme e inclinado compensando a força do vento até que escuto
o helicóptero que cobria a prova. Eu estava só ali então pensei: Vão tirar
minha foto e vai ficar massa! Levantei os braços e agradeci. A aeronave se foi
e voltei para a corrida, mas a panturrilha mandou recado. Cãibras! Muitas
cãibras. Primeiro na esquerda, depois na direita. Cãibras na coxa. Eu não
acreditava no que acontecia. Ali no quilômetro 15 meu corpo parecia querer
parar e por um momento senti aquela angústia, uma tristeza absurda e a sensação
de que todo o treinamento havia sido em vão. No entanto, lembrei de minha
família, de meu filho que me esperava. O que eu iria dizer pra ele? Que eu
desisti? Não poderia! Minha esposa, competitiva como é, não me perdoaria. Minha
irmã que foi me ajudar e torcer não merecia. Meu parceiro e amigo que sempre
deu suporte nos treinos e acreditava muito em mim me esperava também. Não! Eu
não poderia parar.
Lembrei dos relatos de muitos corredores experientes de
quando “quebravam em provas” e ainda assim seguiam, com dor, sofrendo, mas
seguiam. Foi difícil. Olhei para trás e já via corredores aproximando. Parei,
respirei, fiz uma pressão nas pernas (aprendi num relato do corredor
ultramaratonista Saulo Arruda) e segui. Bem lento. Mas não conseguia correr
mais que 600m seguidos. Caminhava e corria, caminhava e corria. As cãibras
pioraram. Sentia que tinha energia e disposição para correr. Mas as pernas não
deixavam. Foi o que mais me entristeceu e está engasgado até agora.
Até o destino
final perdi 4 posições. Cheguei com um misto de emoção e esgotamento físico.
Refleti toda a prova ali nos primeiros minutos de descanso após a chegada. E
sob os olhares de quem ali estava percebi que a admiração deles valia um pouco
aquele sofrimento. O primeiro colocado geral de minha prova foi quem me
recepcionou. Ele percebeu o desgaste e me ajudou a subir em uma barraca logo
ali. Ele me disse “parabéns, você foi bem. Deve ser o sexto ou sétimo geral.
Deve pegar pódio na categoria.” Nesse momento o cansaço sumiu. Fui até o
mesário e perguntei um pouco eufórico. Eu queria saber logo se havia pegado
pódio. Ele confirmou. Fui segundo de um total de 14 atletas em minha
categoria.
Medalha no peito. Liguei para minha irmã que
me esperava do outro lado de Luís Correia. Lá era a passagem dos 24 km para
quem iria continuar. Peguei um barco com outros corredores e chegamos. Logo
avistei minha família. Nessa hora a felicidade já havia superado todo o cansaço.
Afinal, eu treinei, eu fui lá e eu fiz. Não da maneira que eu desejava, mas foi
feito. E com orgulho de poder gritar para todos: Eu não desisti! Descobri que
sou mais forte do que imaginava.
A corrida
imita a vida. Ambas são dificílimas, porém, a cada desafio superado você
percebe que pode ir mais longe. Vamos correr?
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